sexta-feira, março 03, 2017

Zuckerberg, 1 Shakespeare, 0

William Shakespeare acordou e, mal abriu a internet, constatou que tinha incendiado as redes sociais. Uma espectadora da peça "Romeu e Julieta" escrevera no facebook uma crítica que se tornara viral. A autora do texto estava triplamente ofendida: como italiana, rejeitava a ideia de que a boa gente de Verona fosse capaz de oprimir daquela forma dois jovens amantes ("o sr. Shakespeare que olhe bem para Stratford-Upon-Avon, que certamente encontrará mais intolerância lá do que em Verona", dizia a crítica, sob a indicação "a sentir-se furiosa"); como farmacêutica, considerava completamente irresponsável a insinuação de que um jovem poderia adquirir numa farmácia, sem receita médica, um frasco de veneno; como encarregada de educação de uma rapariga de 16 anos, lamentava que uma peça protagonizada por um casal de jovens, com potencial para transmitir uma mensagem positiva, terminasse em morte, "quando todos sabemos que o suicídio adolescente é uma realidade que realmente, etecetera". Quando leu que a página do Globe Theatre tinha sido invadida por centenas de mensagens de protesto, William assustou-se e, à cautela, aproveitou para colocar a tragédia em que estava a trabalhar nessa altura, chamada "Titus Andronicus", no recycle bin.

Shakespeare tentou aconselhar-se com alguns amigos, mas foi impossível. Primeiro ligou para Cervantes, cuja editora tinha acabado de se distanciar de um livro da sua autoria chamado "D. Quixote".

"Numa altura em que toda a sociedade está empenhada em promover a importância da leitura", dizia o comunicado, dando razão às objecções de vários utilizadores do twitter, "não se admite que sejam os próprios escritores a sugerir que a leitura prejudica a saúde, como sucede nesta obra, em que a personagem 'D. Quixote' enlouquece por ter lido livros de cavalaria. Esta chancela não se identifica com essa ideia e lamenta ainda que um dos seus autores tenha colocado um louco a protagonizar um livro cómico.

A doença mental não é uma brincadeira." Depois, enviou um e-mail a Eça de Queirós, que também estava envolvido numa polémica depois de um jornal online ter publicado um texto intitulado "Cinco coisas que Carlos da Maia fez com a irmã (você não vai acreditar na terceira)".

Shakespeare pensou então que talvez o seu amigo Nabokov tivesse tempo para ele. Infelizmente, Vladimir estava a reescrever a "Lolita", na sequência da retirada da primeira edição das bancas, em resultado de uma enxurrada de reclamações de pais de meninas de 12 anos. Nesta segunda versão, chamada "Dona Lola", Humbert Humbert desenvolve uma obsessão por uma mulher de 53 anos, da qual se torna padrasto, após casar com a sua mãe, de 80.

Sem saber o que fazer, Shakespeare resolve então refugiar-se no Algarve. No entanto, é barrado na fronteira. "Um inglês no Algarve?", pergunta o guarda alfandegário. "Trata-se de um estereótipo nocivo, que perpetua comportamentos e reforça atitudes.

É melhor não.


Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão


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