sábado, maio 06, 2017

A vagina de Marine Le Pen

Pessoas que não perceberam nada das eleições americanas (como a subtil analista política Madonna) disseram, na altura, que Hillary Clinton tinha perdido por ser mulher. Essa opinião vinha sobretudo de gente que tinha votado em Clinton por ela ser mulher – uma péssima razão para se votar em alguém. A frase “votar com a vagina” ganhou alguma proeminência, naqueles dias – e, sabendo como é importante desenhar a cruzinha correctamente no boletim de voto, sem extravasar os limites do quadradinho, esperemos que aquele estribilho não tenha sido responsável por uma boa quantidade de votos nulos.

De acordo com Jonathan Allen e Amie Parnes, que acompanharam a campanha democrata e escreveram um livro sobre ela, a própria Hillary Clinton – que, apesar de ter sido uma péssima candidata, talvez saiba um pouco mais de política do que a maior parte das estrelas da pop – atribuiu a sua derrota a três factores: o FBI, o KGB e o KKK. Já os autores do livro, por seu lado, também acreditam que Hillary perdeu por três motivos: fraca capacidade de se relacionar com o eleitor comum, excesso de confiança e incompetência. O facto de a candidata possuir um aparelho reprodutor feminino, curiosamente, não é referido por ninguém. Do mesmo modo, a vagina de Marine Le Pen tem sido – julgo que para alívio de todos – pouco mencionada ao longo do processo eleitoral francês.

Assim como nos Estados Unidos apareceram imigrantes mexicanos a prometer votar em Trump para que ele acabasse com o excesso de imigração, também em França vimos imigrantes portugueses a declarar apoio a Marine Le Pen com o mesmo objectivo. Assim como nos Estados Unidos certas zonas tradicionalmente à esquerda votaram Trump, também em França muitos operários e desempregados estão a votar em Le Pen. Parecem ser fenómenos bastante semelhantes (tão semelhantes que Le Pen recebeu, inclusivamente, o apoio de Trump), e por isso somos forçados a reconhecer que se trata de um problema, digamos, supravaginal: estes eleitores, por desespero, protesto ou convicção, estão dispostos a votar num candidato extremista,

independentemente do facto de ele ou o seu adversário possuírem uma vagina. As pessoas civilizadas (enfim, umas mais do que outras), que há uns meses pediram, aflitas, a uma mulher que as livrasse de um homem grotesco, esperam agora, com a mesma aflição, que um homem as salve de uma mulher grotesca. Para um feminista como eu, que acredita que as mulheres e os homens são, na essência, iguais (somos poucos mas bons), está tudo certo: umas vezes o homem é o diabo e a mulher a salvadora, outras vezes é o contrário. Obrigado, mundo.



Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão

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