quinta-feira, dezembro 07, 2017

Sentido de voto

Toda a vida votei em partidos de esquerda – o que significa que nunca votei, por exemplo, no PS. Voto sempre com um misto de convicção, conformação e alívio. Convicção porque, de entre as propostas que me são apresentadas no boletim, é com as destes partidos que tenho mais afinidade, sobretudo no tema político que me interessa acima de todos: o da distribuição (ou redistribuição) da riqueza. Conformação porque o meu voto implica que eu aceite algumas características desses partidos que são difíceis de tolerar: uma rigidez de princípios um pouco assustadora, um sectarismo bastante incomodativo, uma inclinação absolutista que consegue ser inquietante. Recordo-me muitas vezes daquele passo do “FMI” em que José Mário Branco diz: “O menino é malcriado, o menino é pequeno-burguês, o menino pertence a uma classe sem futuro histórico... Eu sou parvo ou quê?” Imagino sempre que gente inevitavelmente mais pura do que eu me faz os mesmos reparos. Só não formulo a pergunta final porque, no meu caso, a resposta é claramente afirmativa, e eu não quero oferecer argumentos fáceis aos acusadores, mesmo sendo eles imaginários. Alívio porque, até por causa do que fica escrito atrás, me satisfaz saber que os partidos que apoio não têm hipótese de ganhar. Gosto que tenham força, que sejam capazes de fazer contrapeso, que consigam inclinar a bússola para a esquerda, mas ficaria preocupado se deixassem de ser o tempero e passassem a ser a refeição.

Há alturas, porém, em que a convicção se sobrepõe ao resto. Esta semana foi uma dessas alturas. Um destes partidos extremistas, irrealistas, lunáticos, propôs a seguinte excentricidade: empresas que obtêm rendas excessivas e injustificadas, e que, também injustificadamente, cobram a factura energética mais cara da Europa, deveriam fazer uma contribuição, contribuição essa que não colocaria em causa o apoio que o Estado deve, justamente, prestar à produção de energias renováveis. BE e PCP votaram a favor da medida. Os sensatos PS e CDS votaram contra. O também ajuizado PSD absteve-se. E assim a proposta foi chumbada. Os lunáticos fizeram uma proposta sensata e os sensatos rejeitaram-na. Na EDP há vários ex-ministros do PS, do PSD e do CDS. E há ainda João Manuel Manso Neto, que tem as características físicas que eu, em criança, costumava atribuir aos desconhecidos que a minha avó dizia que viriam obrigar-me a comer a sopa. Talvez não seja sensato indispor toda esta gente. Mas, de facto, é um tipo de sensatez muito especial.



Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão

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