sexta-feira, fevereiro 02, 2018

Nem 30 nem 300

Assim que o Governo anunciou a intenção de reduzir para 30 quilómetros por hora o limite de velocidade nas localidades, várias pessoas reclamaram: “Só?! É muito pouco!” E vários habitantes de Lisboa e Porto disseram: “Tanto?! Quem me dera. Quando circulo em hora de ponta raramente passo dos cinco à hora.” Parece ser uma daquelas ideias que indispõe toda a gente. Os automobilistas das grandes cidades já estavam condenados a engonhar por causa dos engarrafamentos, e agora passam a ter de engonhar também por causa da lei. Pessoas que moram em Benfica e trabalham no Parque das Nações melhoram a sua qualidade de vida se se mudarem para a Nazaré. É mais rápido vir da Nazaré para Lisboa, a 120 km/h, do que atravessar a cidade, a 30.

Como sempre faço antes de me pronunciar sobre qualquer tema, levei a cabo um profundo estudo sobre esta medida e, durante a semana, experimentei andar por Lisboa a 30 km/h. O balanço foi extremamente positivo para a minha segurança e a de todas as pessoas com as quais me cruzei, e extremamente negativo para a reputação da minha mãe, sobre cuja suposta actividade profissional isenta de impostos ouvi muitos comentários. Tirando ter de suportar a azeda animosidade dos seus concidadãos, o automobilista que circula a 30 só recolhe benefícios. A esta velocidade é perfeitamente possível ir adiantando o jantar, no caminho para casa. Ou ler um livro. Obtém-se uma nova tranquilidade, muito rara na vida urbana. Uma vez experimentei meter a terceira mas o carro não aguentou. Faz-se o caminho todo em segunda e não é preciso estar a mexer na caixa de velocidades. Dois funcionários da EMEL tentaram multar-me porque não perceberam se eu estava estacionado ou a andar. Fui ultrapassado por praticantes de running (que é, aliás, o antigo jogging. Trata-se de correr, na verdade, mas em estrangeiro). Depois de uma luta renhida, ultrapassei um senhor que ia de burro. Pessoas que iam a pé no passeio pensaram que eu estava a segui-las sinistramente e atiraram-me frutas ao pára-brisas. Foi uma experiência repleta de novas sensações.

A medida parece integrar-se num pacote abrangente que pretende criar um novo tipo de português que não fuma (porque já quase não existem espaços em que o possa fazer), não bebe refrigerantes (uma vez que os impostos sobre as bebidas açucaradas dispararam), não come rissóis nem sandes de presunto nas cantinas hospitalares (após a proibição da secretaria de Estado da Saúde) e conduz a 30 à hora (na sequência desta ideia do ministro da Administração Interna). Em princípio, nunca mais um português morrerá. A não ser de tédio. Mas, ao que tudo indica, o tédio também será proibido muito em breve.



Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão

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