sexta-feira, abril 27, 2018

La santa casa de papel

Alguns amigos recomendaram-me a série La Casa de Papel com mais fervor do que as Testemunhas de Jeová me recomendam as excelentes revistas A Sentinela e Despertai! Como, pelos vistos, a minha salvação dependia disso, assisti ao seriado – e, no entanto, não consegui concentrar-me. As personagens falam espanhol – o que é bastante natural, tendo em conta que a série é espanhola – e por isso estava sempre à espera que abandonassem o assalto, pegassem nas suas bicicletas assobiando, e fossem visitar o Chanquete. Tenho constatado que uma divertida maneira de irritar as pessoas que vêem connosco La Casa de Papel consiste em comentar o enredo fingindo acreditar que a série é uma continuação do Verão Azul, e que os assaltantes são, na verdade, os amigos que passavam férias juntos, e que entretanto cresceram. Observações como “Sempre soube que estes miúdos iam enveredar pelo crime, porque eram muito rebeldes”, ou “O Moscou deve ser o Piranha, porque é o mais gordito” costumam ser especialmente eficazes a enervar os nossos companheiros de visionamento.

Outra estratégia exasperante é levar a cabo o clássico exercício “Se isto fosse cá…” Por exemplo: “Se isto fosse cá, em vez de máscaras do Dalí levavam máscaras do [inserir nome de pintor português].” E a seguir pisca-se o olho, pretendendo significar: “Está bem visto, não está?” O mais interessante talvez seja submeter a série ao olhar português, sim, mas no sentido em que nós temos o paladar muito apurado no que diz respeito a gatunagem. Não é qualquer bandido que nos seduz. Já vimos muito, em termos de trafulhice, e só burlas bastante sofisticadas nos impressionam. Nesse ponto, La Casa de Papel falha. Trata-se de um furto pelintra, em modelo self-service. Os ladrões imprimem as suas próprias notas. Que maçada indigna. Se é para trabalhar, mais vale uma pessoa não se meter no crime. Um larápio decente e respeitador do mister que escolheu furta notas já impressas, como é óbvio. Os melhores golpes são os que nem constituem roubos. La Santa Casa de Papel: eis uma série verdadeiramente interessante. Vários senhores muito dignos, usando gravatas em vez de fatos-macaco cor de laranja, vão buscar papel à Santa Casa. Entram e saem pela porta principal, e não por um túnel qualquer. Já está em exibição.



Fonte: Ricardo Araújo Pereira @ Visão

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